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Ana Bispo Ramires: "O grande desafio é desenvolver o treino de competências psicológicas para a performance"
29 de Outubro de 2024
Webinar "Promoção da Saúde Mental dos Jogadores Profissionais de Futebol", com a conceituada especialista em Psicologia do Desporto e da Performance, realiza-se a 30 de outubro
A Liga Portugal Business School organiza, a 30 de outubro, um webinar com Ana Bispo Ramires dedicado ao tema "Promoção da Saúde Mental dos Jogadores Profissionais de Futebol". Em jeito de antevisão a esta sessão, a conceituada especialista em Psicologia do Desporto e da Performance respondeu a três questões sobre um tema que desperta cada vez mais a atenção do Futebol Profissional e da sociedade em geral.
1 - Como encontrar equilíbrio entre a pressão competitiva no futebol de alto rendimento e a saúde mental dos atletas?
– O grande desafio que existe, ao nível do futebol profissional e de alto rendimento, tem a ver com o facto de a área do treino de competências psicológicas para a performance não estar ainda instalada desde as bases, como forma de capacitar os atletas para poderem competir em contextos de alto rendimento, sem prejuízo da sua saúde mental. Há aqui um caminho importante a ser feito nas próximas gerações, que é tentar perceber como se pode introduzir a aprendizagem de treino de competências psicoemocionais, desde a base, tal como se faz a aprendizagem tecnico-tática ou desportiva ou física, para que possamos, de facto, ter atletas que são globalmente desenvolvidos para a prática de uma modalidade que é, por si só, bastante exigente, face aos fatores de pressão social e desportiva que tem à sua volta.
O plano B, neste tipo de circunstância, é os atletas, quando começam a ter maior autonomia e maior conhecimento sobre as exigências, também os testemunhos que existem já sobre esta área, poderem, eles próprios, procurar profissionais devidamente acreditados e com legitimidade para o fazer - infelizmente, há muitos que não o têm - para poder fazer um plano de desenvolvimento das suas competências psicoemocionais, para promover um equilíbrio eficaz entre aquilo que são as solicitações no desporto de alto rendimento e da sua vida pessoal. Por outras palavras, se nós queremos falar de saúde mental, devemos, em boa verdade, começar a pensar como é que nós musculamos a saúde mental para que ela se transforme num stakeholder importante da performance dos atletas e não só falar de saúde mental pela ausência da mesma, que é o sítio onde estamos, ainda, hoje em dia. É muito importante pensar em contextos de treino onde possamos muscular a forma como pensamos dos nossos atletas, dos nossos treinadores, de árbitros, dos próprios dirigentes, para que possamos ter contextos seguros, em termos psicoemocionais, para que possam desenvolver-se e atingir os maiores patamares possíveis, em termos da sua performance profissional
2 - Quais os sinais de alerta aos quais devemos estar atentos para uma intervenção eficaz?
– No que respeita a sinais de alerta, há duas questões muito importantes: primeiro, educar o contexto à volta do atleta, para que possa detectar, precocemente, essa alteração, esses sintomas precoces. É muito importante apostar na formação de todas as estruturas de suporte à prática: fisioterapeutas, médicos, os próprios psicólogos que estão no terreno e possam não ter formação nesta área (são áreas de especialização diferentes), dirigentes, técnicos de equipamento, as próprias família; ou seja, podermos educar estes diferentes agentes para, de alguma forma, poderem estar mais alerta para o que está a acontecer com os atletas em causa.
No desporto profissional, isto é muito importante. Enquanto que no desporto de formação há muitas ações para famílias, para os pais e progenitores dos jovens atletas, quando estamos a falar em desporto profissional existe pouca ou nenhuma formação para as famílias, para os cônjuges. É muito importante podermos capacitar as famílias para detectar, precocemente, este tipo de sinais, porque, na realidade é, provavelmente, o primeiro contexto onde se manifestam.
De qualquer das formas, qualquer alteração ao normal funcionamento do indivíduo, seja porque dorme pior, de forma continuada; seja porque há mais irritabilidade, menos capacidade de estar focado, menos capacidade de se sentir feliz e entusiasmado naquilo que faz, são sempre sinais a levar em conta, quanto mais não seja, para ter duas ou três conversas com um especialista da área, apenas para fazer detecção precoce. Não precisamos de atuar apenas quando já está em crise; podemos, simplesmente, uma vez ao ano, fazer duas, três, quatro sessões com alguém, para detectarmos se os nossos indicadores de saúde mental se encontram no nível que gostaríamos.
3 - Ainda existem muitas barreiras para abordar a Saúde Mental de forma aberta?
– Felizmente, nos últimos anos, e muito por responsabilidade até de uma outra modalidade, que é a ginástica artística feminina, com os testemunhos da Simone Biles, que trouxe uma componente muito interessante à área da saúde mental, que é percebermos uma atleta que tem a coragem de se resguardar num Jogos Olímpicos, neste caso, em Tóquio, para depois aparecer na sua melhor performance em Paris; ou seja, passar esta nota de que 'eu não sou a minha doença mental', digamos assim. A doença mental é algo que acontece de forma pontual, tal como acontece outro tipo de circunstância ou outro tipo de lesão física que o atleta possa ter: é uma circunstância pontual e não me define. Da mesma forma que um atleta não é definido porque faz uma rotura dos ligamentos anteriores cruzados, também não deve ser definido por qualquer tipo de alteração do ponto de vista psicoemocional.
Na realidade, nos últimos anos, temos observado uma diminuição de estigma e uma preocupação maior em abordar estes temas de forma mais aberta, e as iniciativas da Liga são, claramente, em Portugal, uma das portas para fazer esse caminho. Contudo, há ainda poucas iniciativas, do ponto de vista da promoção da saúde mental, [de] como podemos muscular a saúde mental numa perspectiva de entendermos que esta é uma área de capacitação que deve ser levada muito a sério e não, pura e simplesmente, quando já estamos num cenário de crise, quando já há manifestação de doença. Aqui, sim, é o futuro: devemos criar estes contextos, esta espécie de ginásios de capacitação mental que devem ser, claramente, orientados por psicólogos com especialização na área da Psicologia do Desporto, porque é a área que está mais capacitada para dar resposta a este tipo de necessidade.